quarta-feira, 30 de maio de 2018

Desde a CMTC

Sou neto de um paulistano descendente de português. Meu bisavô, José Nelo, veio de Portugal em 1907 e deu ao meu vô seu próprio nome. Olhando as fotos vê-se que vovô é a cara do pai. Acontece que meu avô era, em 1950, sargento fiscal de trânsito, era uma guardinha mirim que fiscalizava o uso das vagas pelos automóveis na capital paulista. A época seu Zé, como cresci ouvindo os vizinhos chama-lo no Ipiranga, bairro em que nasci, usava os bondes da antiga CMTC para ir ao centro vestindo sua fardinha para trabalhar.
Os bondes, segundo me contou eram de dois tipos, o comum, aberto, e o que chamavam de camarão porque era fechado. Esses vieram depois, era uma modernização no transporte por bondes e que antecipou o conceito dos ônibus que hoje usamos nas cidades. Os bondes abertos, portanto, eram os mais comuns, as pessoas subiam pela lateral e o cobrador se deslocava em seu interior para cobrar o ingresso dos passageiros. Havia no teto do bonde uma cordinha que, conforme as passagens eram cobradas, o cobrador fazia o registro. Ou seja, ele puxava a cordinha e ela acionava o dispositivo do aparelho que fazia o registro oficial cujo valor ele deveria apresentar ao final do expediente.
Muito cobrador ficou rico, diz meu avô. “Eles recebiam duas, as vezes três passagens; e efetuavam apenas um registro, ou seja, algum ficava para ele”.
 A população não ligava, afinal quem perdia era a prefeitura, e já não havia entre as pessoas muita credibilidade da parte dos políticos da época. Vovô conta que era uma época boa, ele ganhava gorjetas fiscalizando o uso de vagas entre a Praça Clóvis e a Praça João Mendes, onde até hoje está o Fórum. O serviço era fiscalizar que todos os condutores estariam com a filipeta de pagamento do uso da vaga sob o para-brisas, como ainda se faz hoje em muitas cidades do país. Os meninos aproveitavam para ganhar um extra, sem "prejudicar ninguém", fazendo vista grossa a um mais apressado que esquecia de pôr a papeleta do valor e do tempo correto de uso.
Até os ladrões eram mais elegantes. Vovô conta que eles te abordavam e apresentavam a faca, era comum o uso de armas brancas, pegavam sua carteira e dela retiravam apenas seu dinheiro sem, entretanto, extraviar os documentos. Havia respeito até na hora de roubar.
De acordo com ele a prostituição, pasmem, era também uma coisa mais cortês, talvez daí venha o nome dado às meninas: "damas de cortesia". Quem quisesse experimentar os favores de uma dama deveria se dirigir à rua Aimorés, somente lá era possível; no Bom Retiro, pertinho da estação da Luz (interessante). Lá haviam dois tipos de “lupanares”, uns mais elegantes e outros que, vulgarmente, chamavam de “sopinha”. Segundo ele, no segundo tipo de estabelecimento conta-se que as damas nem “se lavavam”.
Faz quase setenta anos que São Paulo é essa escandalosa e encantadora cidade. Cheia dessas contradições, mas o que mais chama atenção é que o tempo passa rápido demais e as coisas mudam apenas superficialmente. Os hábitos que nos caracterizam como pessoas são muito mais perenes. As histórias que vovô me contou, se por um lado me aproximam dele, de suas vivências, e das experiências que ele teve em São Paulo, de outro me frustram, pois continuamos iguaizinhos ao que era antigamente. Velhos hábitos, vícios, personagens diferentes, mas deselegantes e sem caráter, São Paulo; um trem fora dos trilhos, só que na ChuPeTreM não é a prefeitura que arca com o prejuízo causado pelo trocador; é o U-Suíno. Mas que Mau-há? Ele sai Iluminado!

Nenhum comentário: