quarta-feira, 7 de agosto de 2019

ESCRAVOS MATANDO ESCRAVOS



Quando o Brasil era colônia os negros sofriam toda sorte de maus tratos, eram marcados a ferro quente por alguns proprietários escravagistas, açoitados em público e até para servir de exemplo a outros negros, recebiam tapas na cara, cusparadas e toda a sorte (ou má-sorte) de humilhações e insultos. Era comum entre eles o aspecto de devoção e piedade em benefício de seus proprietários, talvez com o objetivo de docilizar o demônio branco que, como um deus, podia até decidir sua sobrevivência ou morte sem, no entanto, receber punição ou mesmo crítica por isso. Na colônia, negro nem era considerado gente.
Poderia passar a tarde escrevendo detalhes das crueldades cometidas contra os afrodescendentes no Brasil colônia, mas torna-se desnecessário fazê-lo em virtude da perpetuação do genocídio que ocorre até os dias atuais. Seja pela mortandade causada nos confrontos pela polícia, seja por envolvimento com a violência em virtude do desemprego estrutural que caracteriza nosso país, pela fome, ou pela doença em função da precariedade econômica e a consequente falta de acesso a médicos e adequadas condições sanitárias de seus víveres que culminam com o fim precoce de suas vidas, nada é mais cruel que a morte em função do esforço de passar desapercebido na sociedade, ou seja, trabalhando para defender e manter uma sociedade cuja característica é a desigualdade e a exclusão social.
É preciso tirar lições dessas tragédias cotidianas.
A cidade não vê, as pessoas não tomam notícia, afinal não se trata de um ex-presidente preso por irregularidades econômicas, ou o filho de outro que, além de todas as vantagens que teve na vida é indicado a uma embaixada como se diplomata fosse para representar os interesses da república das bananas. Não é o caso; um vigilante, naturalmente afrodescendente morreu em virtude de violentas agressões cometidas por outro afrodescendente que praticava comércio ambulante nos trens da capital paulista.
Vigilantes cada vez mais são empregados terceirizados, mal remunerados, expostos a condições degradantes de trabalho, desde a superexposição em plataforma pública, longa jornada de trabalho, sem contar violências sofridas por funcionários diretos como assédio e ofensas morais, além do risco de transferências compulsórias quando incomodam a vaidade de algum escorregadozinho com ares de senhor de engenho. Não bastasse isso fazem um serviço que de fato não lhes beneficia pessoalmente em nada, pois combater comerciantes ambulantes sob a justificativa de que sua presença incomoda passageiros é uma inquestionável falácia. Só vendem e se mantem nos vagões porque os USUS compram seus produtos.
A verdade é que a elite, verdadeira administradora da vida do brasileiro, faz do país uma republiqueta, da vida das pessoas um inferno, mas ainda assim se esforça em parecer que vivemos na Suíça, sem levar em conta o tremendo desperdício de vidas que são perdidas para manter regras imbecis. Se a questão é taxar, ou cobrar impostos dos ambulantes, que se crie uma forma de administrar essa realidade que, há décadas é impossível de corrigir.
E os trabalhadores, iludidos como pseudo capitães-dos-matos, dado que muitos são policiais frustrados, portanto não têm outorga do estado para impor a crueldade da coroa aos miseráveis, precisam acordar e aprender que a melhor resposta a uma sociedade escravagista, embora que supostamente livre e moderna, mas que se mantem às custas da destruição de vidas, deles inclusive, é o corpo mole. Isto é, fingir atuar nessa situação que é, na verdade, matança recíproca entre escravos. O ambulante, ou o vigilantes, diferem apenas na indumentária, pois ambos são apenas números, descartáveis e substituíveis, mas, na morte, deixam mães, esposas e crianças para quem suas vidas realmente importavam.
As empresas continuam, e você, trabalhador; vale à pena morrer?
Nosso pesar pelo trabalhador falecido, não é interesse desse e-tabloide ofender a memória de quem não está entre nós para se defender, mas propor a reflexão, pois essa realidade não será diferente enquanto não mudar o entendimento sobre a questão.

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