Sou neto de um paulistano
descendente de português. Meu bisavô, José Nelo, veio de Portugal em 1907 e deu
ao meu vô seu próprio nome. Olhando as fotos vê-se que vovô é a cara do pai.
Acontece que meu avô era, em 1950, sargento fiscal de trânsito, era uma guardinha
mirim que fiscalizava o uso das vagas pelos automóveis na capital paulista. A
época seu Zé, como cresci ouvindo os vizinhos chama-lo no Ipiranga, bairro em
que nasci, usava os bondes da antiga CMTC para ir ao centro vestindo sua
fardinha para trabalhar.
Os bondes, segundo me contou eram
de dois tipos, o comum, aberto, e o que chamavam de camarão porque era fechado.
Esses vieram depois, era uma modernização no transporte por bondes e que antecipou o conceito dos ônibus que hoje usamos nas cidades. Os bondes abertos, portanto,
eram os mais comuns, as pessoas subiam pela lateral e o cobrador se deslocava
em seu interior para cobrar o ingresso dos passageiros. Havia no teto do bonde
uma cordinha que, conforme as passagens eram cobradas, o cobrador fazia o
registro. Ou seja, ele puxava a cordinha e ela acionava o dispositivo do
aparelho que fazia o registro oficial cujo valor ele deveria apresentar ao
final do expediente.
Muito cobrador ficou rico, diz
meu avô. “Eles recebiam duas, as vezes três passagens; e efetuavam apenas um
registro, ou seja, algum ficava para ele”.
A população não ligava, afinal quem perdia era
a prefeitura, e já não havia entre as pessoas muita credibilidade da parte dos
políticos da época. Vovô conta que era uma época boa, ele ganhava gorjetas
fiscalizando o uso de vagas entre a Praça Clóvis e a Praça João Mendes, onde
até hoje está o Fórum. O serviço era fiscalizar que todos os condutores
estariam com a filipeta de pagamento do uso da vaga sob o para-brisas, como
ainda se faz hoje em muitas cidades do país. Os meninos aproveitavam para
ganhar um extra, sem "prejudicar ninguém", fazendo vista grossa a um mais
apressado que esquecia de pôr a papeleta do valor e do tempo correto de uso.
Até os ladrões eram mais
elegantes. Vovô conta que eles te abordavam e apresentavam a faca, era comum o
uso de armas brancas, pegavam sua carteira e dela retiravam apenas seu dinheiro
sem, entretanto, extraviar os documentos. Havia respeito até na hora de roubar.
De acordo com ele a prostituição, pasmem, era também uma coisa
mais cortês, talvez daí venha o nome dado às meninas: "damas de cortesia". Quem quisesse experimentar os favores de uma dama deveria se
dirigir à rua Aimorés, somente lá era possível; no Bom Retiro, pertinho da estação da Luz (interessante). Lá haviam dois tipos de “lupanares”, uns
mais elegantes e outros que, vulgarmente, chamavam de “sopinha”. Segundo ele, no segundo tipo de estabelecimento conta-se que as damas nem “se lavavam”.
Faz quase setenta anos que São Paulo
é essa escandalosa e encantadora cidade. Cheia dessas contradições, mas o que mais chama
atenção é que o tempo passa rápido demais e as coisas mudam apenas
superficialmente. Os hábitos que nos caracterizam como pessoas são muito
mais perenes. As histórias que vovô me contou, se por um lado me aproximam
dele, de suas vivências, e das experiências que ele teve em São Paulo, de outro
me frustram, pois continuamos iguaizinhos ao que era antigamente. Velhos hábitos, vícios, personagens diferentes, mas deselegantes e sem caráter, São Paulo; um trem fora dos trilhos, só que na ChuPeTreM não é a prefeitura que arca com o prejuízo causado pelo trocador; é o U-Suíno. Mas que Mau-há? Ele sai Iluminado!
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